Dom - Por Tânia Souza

 DOM
         Uma densa neblina cobria o vilarejo naquela madrugada fria. A garoa fina aprofundava a sensação de desamparo na moça que apressadamente cruzava a vila. As batidas na porta foram suaves, mesmo acordado, padre Bernardo assustou-se e não demorou a abrir.  A jovem, conhecida por muitos como a Última, estava encolhida dentro do poncho de lã, tremendo de frio, e ergueu os olhos assustados:
 — Eu vi, padre Bernardo! Eu vi a desgraça na vila, eu vi a morte...— Os lábios tremiam, apesar do capuz cobrindo os cabelos. 
         — Calma minha filha. Entre! Você vai congelar ai fora. O que aconteceu?
— Os olhos são azuis, os olhos da morte...   O senhor também deve partir padre, não pode ficar, eu...—  A moça não se movia, até que o velho homem abraçou os ombros frágeis, levando-a para dentro.
         — Esse é o meu lar Madeleine, não verei outros caminhos enquanto respirar. E aqui também é o seu lar, onde estão os restos de sua mãe, de sua avó. O povo sempre dependeu do Dom.— Enquanto falava, padre Bernardo a conduziu para um cadeira ao lado do velho fogão a lenha, onde uma caneca de louça, encheu-se de chá aquecendo as mãos da moça, que lentamente sorveu a bebida.
         Ela balançou a cabeça, repetindo as palavras que a assombravam, os olhos perdidos nas chamas:
— Eu vi o mal, ele tem olhos azuis...— A respiração estava mais calma, e a moça tirou o capuz de lã, ainda trêmula, sentou-se perto do fogão que aquecia o ambiente, fitando as brasas, mas de repente, assustou-se, e desviou os olhos. Os cabelos avermelhados refletiam a luz, caindo em cascatas pelas costas.
         Padre Bernardo observava a jovem, pensativo, murmurando consigo que aquilo não estava certo.
 — Você não deveria andar sozinha, minha filha, já faz um ano que sua avó se foi, mas temo por sua segurança naquele lugar abandonado. Poderia pensar em um casamento, o jovem...
         — Não padre, sabe que não posso, o Dom é ao mesmo tempo uma benção e maldição que carrego. O destino dele não cruzará com o meu, ele merece uma boa mulher, filhos, eu não os terei jamais...
         — Não queira ser dona do destino filha, o seu dom...
         — Meu dom é uma maldição! — A moça voltou a afirmar, mas interrompeu-se quando o padre sentou-se ao seu lado com um pequeno gemido.
         — As suas dores padre, eu posso ajudar. — Tocou suavemente a testa do velho padre, que suspirou aliviado, mas desviou-se das mãos delicadas.
         — Não Madeleine, as dores agora são mais constantes, elas me acordaram hoje, e há muitas noites não durmo, mas são parte do meu destino, devo apenas aceitar.— Era o que o semblante sereno revelava, aceitação e sofrimento.
         — Eu conheço algumas ervas padre, deixe-me cuidar de você, é a única família que tenho...
            —Não!— A voz era suave, mas firme. — Não devo combater minha sina, só lamento não mais ter forças para conduzir meu rebanho, soltos nas madrugadas. — Um sorriso suavizou a ironia. —Agora que está mais calma, diga minha filha, que maléfico pesadelo lhe fez cruzar a vila nessa neblina, a esse horário? Sabe que é arriscado...
         Madeleine quase sorriu, desde os onze anos acostumara-se a andar pela cidade, ou em busca de ervas, ou levando conforto e não raras vezes, a cura ao povoado. Aprendera com a avó o segredo das plantas e das visões, um dom que nem sempre entendia, mas que jamais negava sua força. O silêncio aquecia a pequena cozinha e aos restos de lenhas crepitavam no fogão, quando a jovem suspirou.
         — Não foi um sonho. Tive uma visão, e apesar das névoas, foi o mal que ela trouxe que me fez correr ate aqui, padre. Eu vi a maldade, vi o povoado ardendo em ódio, a desgraça espalhando-se pela vila,  e.. e, de algum modo, serei a culpada, por isso tenho que ir embora, deveria deixar a vila ainda hoje, mas... agora sei que já não vou...
         Depois de dizer essas palavras, num repente a moça levantou-se, caminhando em direção a porta, abrindo-a antes que o som das batidas ecoasse.  Parado na soleira da porta, um menino pedia a ajuda do padre, a mãe estava sentindo dores fortes, mas ao ver Madeleine, ele sorriu, puxando-a pelas mãos. Antes de sair, ela ainda olhou para trás, um olhar triste, e disse, em uma mescla de aceitação e desamparo:      — Agora sei que já não vou... — E seguiu com o menino. Nuvens escuras permitiram que o sol nascesse tímido naquela manhã.
         Quase dois anos se passaram após essa noite fria, quando uma nova manhã, desta vez ensolarada e radiante, dava a vila uma imagem de insana beleza frente à dor e a angústia, a única realidade do povo que ali vivia. Aos poucos, a rua despertava, mas o silêncio assombrava aos poucos que varriam os cantos e preparavam-se para mais um dia de trabalho. Quando de longe ouviram-se gritos, a densidade da quietude enfim se quebrou. Uma cantinela cruel e perigosa ecoava, cada vez mais perto:
         —Bruxa! Bruxa!
         A pequena multidão carregava a garota pelas ruas, e quando ela caía, não esperavam que se levantasse. A cada rosto conhecido, ela implorava por ajuda, mas os olhos se desviavam, alguns em sussurros, afirmavam suspeitas antigas, outros benziam-se e juravam tê-la visto dançando nua no riacho, carregando animais estranhos pela noite... e enquanto os gritos ecoavam pela vila, por mais que Madeleine se debatesse, os braços que a agarravam eram muitos, ninguém a ajudava.
         — Meretriz, morra! Queime-a!
         — Queima! Queima! — Era o que se ouvia da turba enraivecida.
         E quando finalmente caiu sem forças, o corpo frágil foi agarrado, e Madeleine arrastada pelo vilarejo, seus pés ardiam arranhando-se pelo chão, os pedregulhos ferindo a pele. Ao chegaram ao centro da vila, em frente à loja do ferreiro, a pequena e raivosa multidão parou e a moça foi jogada ao chão frio. Enquanto um círculo fechava­­­-se ao seu redor, ela repetia:
— Eu não tenho culpa, não é minha culpa... - O rosto outrora tão bonito estava sujo e arranhando, o barro cobria quase toda a pele clara, e o vestido rasgado deixava entrever o corpo que a jovem encolhida tentava cobrir da melhor forma possível.
         A sua frente, viu o rosto duro de Samantha e implorou piedade, mas a inveja de tantos anos endureceu a face da moça que outrora fora sua amiga, e agora voltava às costas a Madeleine e trocava olhares com o homem loiro que guiava a sinistra procissão.
         — É dela a culpa de nossa desgraça, a noiva do demônio está mentindo... — Era a voz retumbante do clérigo que irradiava-se. Os cabelos loiros grudados na testa, o suor escorrendo, os olhos furiosos faziam com que as pessoas abrissem passagem para aquela figura impressionante.
         — A seca não está nos castigando? A chuva não vem, a água do poço não está envenenada?
           — Sim! Gritava a multidão, — Vamos morrer de sede!
           — O gado não morre de fome no pasto?
           —Sim!— E a cada pergunta, o fanatismo crescia, instigado pelas palavras veementes do louro Raul.
         Madeleine tremia, os cabelos avermelhados sujos de barro, as pessoas gritando a sua volta.
 — Meu gado morreu, e não temos mais leite, meu Jhon morreu de fraqueza — Murmurou uma senhora, cabelos cobertos por um lenço escuro, sinal de luto, — Se ela é a culpada, devemos fazê-la parar. Antes que leve meu neto, ela deve parar agora! — Gritou a mulher.
         Madeleine arrastou-se em direção a velha senhora, a quem muitas vezes servira chá e cuidara dos reumatismos.
— Não Maria, você é boa, lembre-se, minha avó era sua amiga, sempre cuidou de seus filhos —.  Mas a mulher abaixou os olhos
— Eu... o pequeno precisa de leite Madeleine, não sei mais o que fazer...
         —Parem! — Gritou Raul, vendo algumas pessoas sensibilizando-se diante das palavras da moça. — Não escutem a voz doce do demônio, ela quer enfeitiçar-nos, é de uma família de bruxas, a velha já está com os demônios, agora é sua vez, amante do diabo, não vai nos destruir, Deus nos iluminou.  Então não vêem irmãos, que a vila afunda em doença e pobreza?
         —Simmmm!— Uivou a pequena multidão.
         — Deus me enviou para limpar o mal, para recomeçarmos sem bruxarias, sem feiticeiras. Eu tenho a cura meus irmãos, aceitem e o mal irá embora.
         Todo sofrimento daqueles dias de seca e privações crescia na mente do povo ouvindo a voz do pregador. Fora um ano difícil, de muita provação, um estranho mal assolava a vila, alem da fome, a morte e a doença estavam espreitando pelas ruas, pela casas.  Três crianças haviam morrido, um menino ainda no ventre da mãe e outro que nascera deformado e morrera em seguida. No entanto, foi a água envenenada do poço, causando muitos males a quem a consumia que levara o povo ao clamor, incitado pelo clérigo. Aos gritos, seguiram até a casa da moça. Madeleine separava ervas medicinais quando foi brutalmente agarrada pelos cabelos pelo homem que se dizia emissário de Deus. “Pequena meretriz” ele murmurara, “Bruxa!”, foi o seu grito para o povo.
         Para Madeleine, aquele povo era também sua família, desde que a avó se fora, continuava com o seu dom, mesmo sabendo que um dia este lhe causaria dor. Estava em suas mãos o dom da cura, mas as visões que a atormentavam desde menina estavam caladas por uma estranha opacidade nos últimos anos. Lembrava-se agora dos olhos azuis que uma madrugada fria lhe revelara, reconhecendo-o no ódio presente nos olhos do novo clérigo, que desde que chegara à vila estivera perseguindo-a. Ao ver que não conseguiria o que desejava, e que a moral da moça era irredutível, o homem começou uma guerra calada, plantando a semente da discórdia e da inveja, sempre atormentando-a com desejos que Madeleine repudiava. Assim, a moça resolveu mais uma vez clamar por justiça, apesar dos joelhos feridos, levantou-se e falou ao povo a sua volta:
         — Vocês me conhecem desde criança, eu cresci aqui, mestre Ramão, com suas filhas, por favor... — Mas o homem fechou os olhos e começou a rezar.   Uma outra jovem mulher, gorducha e baixinha, tinha os olhos baixos, ao lado do marido de cara feroz, mas ergueu os olhos quando o ensandecido Raul pegou-a pelo braço:
 — Diga quem foi, diga Dona Joaquina, quem lhe deu o chá que roubou a vida do seu bebe ainda no ventre, diz...— As lágrimas caiam sem parar pelo rosto de Madeleine quando via as pessoas acusando-a. Amigos, pessoas a quem ela, a mãe e a avó sempre cuidaram.
 — Não! Não foi assim, ele já estava mal, eu só quis ajudar, a senhora sabia... Um soluço a interrompeu.
         — Mentira, você matou o meu filho!  — Gritou o homem ao lado da mulher... — Bruxa... matou para devorar a sua carne ainda no túmulo, matou, matou meu único filho... — Abaixando-se, juntou nas mãos uma grande quantidade de barro. Em desespero, a moça implorou ainda:
 — Do-dona Joaquina, não, por Deus me ajude, sabe que não é verdade, a senhora sabia... — A voz foi interrompida pelo monte de barro que sujou ainda mais o vestido e os cabelos de Madeleine. A risada mórbida de Raul completava o quadro de crueldade e dor.
         — Você enfeitiçou a todos, mas Deus é bom, e descobrimos sua maldição. —  Os olhos azuis brilhavam de ódio e maldade, enquanto ele gritava com a multidão ensandecida: —Morte a bruxa! Morte a bruxa!
         Quase todos os moradores da pequena vila estavam ali, com exceção de algumas crianças, que pareciam ser as mais atacadas pela peste. O grupo de roupas escuras e ódio no olhar via na jovem caída a chance de mudar a existência de sofrimento.

         — O sangue inocente não deve ser derramado! — Um grito interrompeu temporariamente a acusação. E de repente, a multidão começou a afastar-se, dando passagem a um bramido desesperado, era a voz do velho pároco — Madeleine é uma criatura de Deus — O padre trêmulo e doente olhava acusadoramente a multidão, e vociferava, com uma voz estranhamente forte, olhando nos olhos daqueles a quem conhecia a cada pecado, a cada fraqueza cometida — Voltem para suas casas, deixem-na! Suas crianças esperam, vamos, estão tomados pelo ódio. Deixem-na! — Dizendo essas palavras, padre Bernardo aproximou-se de Madeleine, que apavorada, pedia que ele fosse embora.
         O povo calado, esperava, olhando ansiosos para o novo clérigo, o jovem de faces angelicais que pregava a paixão e a contrição total. Diante da voz do ancião, afastado dos serviços da igreja pela saúde frágil, o corpo tomado pelo câncer, mas cuja autoridade era inquestionável no povoado, aguardavam. Olhando aquele que se intitulava emissário divino, o velho pároco afirmou:
— Você está endemoniado irmão Raul, cobiça a jovem, mas ela não cedeu aos seus caprichos, deixe-a, não aumente ainda mais os seus pecados, ainda podemos arrumar essa confusão...
         A face de Raul contorceu-se enquanto gritava:
         — Blasfêmia! Não ouçam, ela o enfeitiçou também, eu a vi meus irmãos, ela dança nua na igreja e debocha da cruz! E ele gosta, está enfeitiçado e agora vem defendê-la, vamos, segurem-no. Deus me enviou para salvá-los, não duvidem, vamos irmãos. Ou querem que a morte os espere em casa? Querem que ela entregue as suas crianças ao demônio?
         Diante dessa última sentença, alguns homens tentaram imobilizar o velho padre, arrastando-o para dentro da loja do ferreiro, no calor da luta, o velho padre caiu pelo solo, e uma mancha rubra foi tragada pela terra. Um fio de sangue escorreu pelos lábios murchos.
         — Nãoo! — O grito de agonia de Madeleine percorreu o povoado, enquanto tentava correr para aquele a quem considerava um pai. Mas os braços de Raul a seguraram.
         — Mais um inocente morreu por causa da bruxa, mas agora ele esta livre dos malefícios da sedução irmãos, a doença foi um aviso que padre Bernardo ignorou, não vamos deixar que outro aviso seja ignorado. A bruxa deve ser marcada, tragam o ferro abençoado!
         Raul afastou os cabelos grudados na testa, com um sorriso satisfeito quando mestre Ramão aproximou-se como o ferro em brasa em forma de cruz, rezando fervorosamente com os lábios semicerrados, e muitos braços agarraram Madeleine, segurando seus cabelos vermelhos.
Quando o ferro tocou a pele suave, todos esperavam pelo seu grito de dor, mas o que ouviram foi um estranho rumor que percorria a terra seca, e raios começaram a cair por todo lado, um lastro de fogo invadiu as plantações de milho ressecadas. Alguns correram em direção à plantação, enquanto o medo invadia os olhares dos que ficavam. A pele de Madeleine continuava intacta, apesar do pavor nos olhos castanhos.
         Os olhos de Raul escureceram-se, mas ainda assim, ele tornou a aproximar o ferro da testa pálida, e mais uma vez, a pele não queimou. Duvidando do que via, quis tocar a cruz em brasa, mas a sua pele chiou, num queimado forte. A dor da queimadura o fez jogar a cruz para longe. O povo começou a murmurar, temeroso da ira divina.   Mas Raul, enlouquecido, apanhou a pequena faca que carregava, e olhando para as pessoas ali reunidas, reafirmou:
         — É o demônio, não Deus! Não temam seus simplórios! — E avançou em direção a moça, mas antes que chegasse perto, o céu se abriu com um estrondo, e quando Raul virou-se em direção aos céus, os olhos refletiram um raio certeiro vindo em sua direção, que atravessou-lhe o corpo, queimando-o. Assustadas, as pessoas começaram a correr, enquanto o fogo alastrava-se pela vila, queimando as casas uma a uma. Crianças tentavam correr para longe do fogo, mas logo tudo desmoronou com a força das chamas.
         Quanto a Madeleine, permanecia encolhida, os olhos arregalados pelo medo, indiferente ao tempo, até que os últimos raios caíram. A moça por fim levantou-se e caminhou em direção ao velho padre, largado no chão esfumaçado, um sopro de vida ainda restava, e os poucos que ainda estavam por ali aproximaram-se, mantendo uma distância segura. A jovem levantou a cabeça branca, apoiando-a nas pernas dobradas, e a voz de padre Bernardo se fez ouvir, entrecortada pela dor.
         — Minha filha, Deus esteve contigo hoje, pois Ele não pune aos inocentes, a prova do fogo revelou que a maldade está no coração dessa gente Madeleine, e por isso sua vida foi poupada. Seu coração é puro, assim como os seus atos...— O padre estremeceu no esforço de falar, mas Madeleine tocou-lhe os lábios.
         —Eu não entendo, há muita dor Monsenhor, todos sofrem, eu posso sentir, as crianças padre, eu... — As lágrimas abriam caminho no rosto marcado —  não,  não fale mais padre, poupe seus esforços...
         — Minha hora chegou minha filha, mas o seu caminho apenas começa, Deus jamais te deixará, pois seu Dom é a maior prova da misericórdia divina. Você sabe o que fazer, minha filha, você...
         Madeleine assentiu... contendo as lagrimas...
         —Lembre-se da beleza do Dom ao sol colorindo os ipês, Madeleine... — Com essas palavras murmuradas, aquele homem que viera de tão longe encontrou por fim seu destino. E a jovem ajoelhada cerrou os olhos tranqüilos do ancião. Levantou-se, e ao seu redor encontrou a visão de dois anos antes tornando-se real: o fogo consumindo o que restava da plantação, as casas desmoronando, muitos feridos pelo chão. E as pessoas apavoradas, fitando-a com misto de medo e vergonha. Sem coragem para se aproximar. Sim, Madeleine sabia o que deveria fazer.
         Naquela manhã, a vila acordara com os gritos de Madeleine, mas agora que a dor consumia as mães e os pais, os clamores eram baixos. A Última, como às vezes chamavam Madeleine, de maneira silenciosa e triste, tratou dos doentes, ajudou a enterrar os mortos, cuidou os feridos, mesmo dos que lhe atiraram pedras e lama, e na velha igreja, improvisou uma pequena enfermaria. A noite toda velou pelos moribundos, preparou ungüentos e poções. No dia seguinte, a despeito dos pedidos de perdão, seguiu pela estrada, saía enfim da vila para onde viera ainda menina, acompanhada pela mãe, a procura da avó que ali nascera. O Dom seguiria com ela, para o destino que lhe estivesse reservado.
         Do outro lado da vila, um vulto afastava-se lentamente em direção a floresta, os olhos azuis envoltos em sombras, os lábios cerrados, nas costas das mãos, a marca de uma queimadura formava o desenho de uma cruz. Voltou-se ainda uma vez em direção a vila. O povoado jazia abandonado, punidos pela ira divina, punidos pela fraqueza, punidos pela maldade e pela vingança dos corações endurecidos pela tentação, convencidos por suas palavras. Sim, tivera êxito, mas seu êxito fora menor, quase deixara que a paixão o envolvesse, e mais uma vez, o Dom permaneceria, a vila renasceria apesar do sofrimento, e para as poucas crianças que restavam, a Última seria sempre lembrada como um anjo salvador.  Com um movimento, já dentro da floresta antiga, livrou-se das roupas queimadas e da aparência que usara, mas percebeu, com um gesto de raiva, que a marca na mão permanecia, assim como os olhos azuis. As árvores estremeceram quando ele gritou, até o silêncio pesar nas folhas, na densidade do nada. Seguindo o caminho oposto, Raul sabia que o destino de Madeleine ainda cruzar-se-ia com o dele, e desta vez, não poderia falhar.

Tânia Souza é professora, leitora,poetisa e contista. Apaixonada por literatura,tenta compartilhar este fascínio nas aulas e textos que escreve. É editora dos blogs Descaminhos Sombrios, Descaminhos Poéticos e Palavras Perdidas, onde publica diferentes gêneros literários,relacionados à LitFan.

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6 comentários:

  1. Que estória heim?!
    Muito boa mesma..deu uma raiva desse Raul..rs...
    adorei o fim q ele teve..haha...bem feito =D
    Parabéns Tânia..seu contos são maravilhosamente empolgantes...esse então...perfeito!

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  2. Adorei o conto também!
    E como a Clau, fiquei com raiva do Raul.
    Parabéns, seus contos são ótimos! :)

    Beijos

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  3. Valeu personas, eu tenho um carinho especial por este conto, é mesmo um quê de indignação em meio ao fantástico.

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  4. Parabens vc e uma otima escritora!
    muito bom msmo.
    adorei a historia.

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  5. Adorei o texto mto bom parabéns vc e uma ótima escritora

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